Arquivo do mês: junho 2015

A sustentabilidade dos Direitos Humanos

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Caro/as, no dia 25 de junho pp. o Fundo Brasil de DH convidou um grupo de acadêmicos e lideranças do campo dos DH para uma Roda de Conversa objetivando refletir sobre os cenários futuros das disputas sobre DH e também indicar tendências e desafios, inclusive para a mobilização de recursos para as organizações ligadas ao tema.

Acesse o link com a síntese da conversa: http://www.fundodireitoshumanos.org.br/v2/pt/news/view/fundo-brasil-promove-roda-de-conversa-sobre-o-cenario-atual

Um dos destaques da discussão foi o reconhecimento da incompatibilidade entre a defesa e promoção dos DH e a perspectiva desenvolvimentista na economia. Para este enfoque econômico, DH são entraves.

Outro ponto chave das reflexões foi o consenso de que estamos vivendo/sofrendo o fim de um ciclo, sem que outro se delineie claramente. O ciclo iniciado com a promulgação da Constituição de 1988, que deu sustentação à ampliação dos direitos, chegou ao fim. É importante aprofundar as consequências disso para as OSCs de defesa de direitos.

Por fim, um terceiro destaque foi a necessidade de identificar e valorizar os novos atores na sociedade civil,  especialmente aqueles que mobilizam a juventude.

Segue o roteiro original de minha fala na Roda de Conversa, focada nas condições de mobilização de recursos no campo dos DH.

Os atores/protagonistas dos DH e seus desafios: Qual o atual cenário de apoio aos DH no Brasil? Quais os desafios para ampliar este apoio?

Dimensão da comunicação/mobilização em torno dos DH:

  • A cultura política brasileira expressa uma visão do Estado como o ente centralizador responsável por todos os problemas e todas as soluções. A outra face disso é a relativa marginalização das OSCs (na legislação e na percepção pública) e de sua legitimidade como protagonistas ou catalisadores de mudanças sociais. Na Europa e USA isso é muito diferente…
  • A percepção pública sobre as OSCs de defesa de direitos ainda parece muito influenciada pela tradição do trabalho das igrejas no campo social, expressa em grande medida pela noção de “atendimento” e não por uma visão cidadã, que envolva a promoção e defesa de direitos no espaço público. É principalmente por aí que as OSCs são valorizadas pela opinião pública.
  • A doação no Brasil ainda é majoritariamente realizada com um enfoque caritativo/assistencialista via redes de relacionamento interno às igrejas. Há uma forte correlação entre doação e espiritualidade/religiosidade (Regina Novas, 2007). Os movimentos de doação cidadã (Greenpeace, SOS Mata Atlântica, Action Aid, logo Oxfam Brasil, etc.) crescem mais ainda são uma pequena fatia da doação no país. Diversificam-se as formas de apoio e mobilização de recursos (crowdfunding, telemarketing, doações online, investimento de impacto, fundos patrimoniais, etc.).
  • Os DH ainda são associados com minorias ou, pior, com “a defesa de bandidos”. É fundamental evidenciar o caráter universal dos DH como valor e como gramática do Estado de Direito e da convivência democrática na sociedade.
Daí ser fundamental construir pactos estratégicos em torno do investimento em comunicação (construir capacidade em cada OSC e campanhas nacionais/regionais/locais regulares).O desafio é construir uma narrativa que associe doar a OSCs-DD e DH com a melhora das condições de vida cotidiana da população, sem que isso retire responsabilidades do Estado.

 

Dimensão da “cultura de doação” e da sustentabilidade das organizações de defesa de direitos (OSCs DD):

  • Um aspecto da versão atual do Estado centralizador é a tendência controladora na relação de apoio governamental às OSCs: o SICONV, embora tenha dado transparência e democratizado o acesso aos recursos públicos federais, o fez numa ótica de forte controle sobre as organizações (num ambiente de intensa polarização política, a opção foi pelo “risco zero”), exigindo significativa capacitação técnica para operá-lo.
  • Outro aspecto desta situação é a tendência centralizadora no apoio a projeto das OSCs: os editais públicos, não só federais, tendem a impor diretrizes e metodologias hiper-formatadas, deixando pouquíssimo espaço para a autoria e inovação no desenvolvimento dos projetos (o que for feito neste sentido, tende a ser feito à revelia do convênio e sob risco de criminalização).
  • O fomento às OSCs, seja na forma de apoio direto a fundo perdido, seja na forma de benefícios fiscais e tributários (filantropia/CEBAs, deduções do IR PF/PJ para doações, etc.) é muito limitado e não tende a ser ampliado no futuro próximo.
  • Conclusões do Encontro de Criação para a Cultura de Doação e Captação de Recursos no Brasil” (SP: 29/04/2015):
Falta de consciência do papel do doador no fortalecimento da democracia.Desafio de credibilidade no setor .Fornecedores despreparados, pouca inovação no setor e baixa cultura de investimento das ONGs na estruturação de suas ações de captação.

Dados e informações insuficientes e descontínuos (sobre doação). Falta de estímulos/mecanismos facilitadores, e baixo conhecimento dos existentes.

Crescimento de modelos inovadores (ex.: crowdfunding) e aderência para doações online.Campanhas colaborativas e ações em rede se fortalecendo (Ex. Dia de Doar).

Uma ideia é criar uma estrutura que crie um fundo e estimule organizações/doadores a colocarem 1% do seu investimento neste fundo, que teria como objetivo melhorar as infraestruturas necessárias para doação no país. Visão de longo prazo (3-5 anos): que esse fundo consiga financiar iniciativas.

  • Um elemento positivo é a aprovação e entrada em vigor da nova Lei de Fomento e de Cooperação (Lei019/2014), que traz mais clareza e segurança jurídica, além de valorizar o papel da OSCs para a democracia.
  • Mesmo no apoio de organizações internacionais e no investimento social privado (corporativo), a tendência é de apoio de curto prazo com maiores condicionantes e baixo apoio institucional, muitas vezes via prestação de serviços, tendo como efeito a redução progressiva da autonomia das organizações.
Por isso, é fundamental apoiar o desenvolvimento de estratégias de MR de indivíduos nas OSCs DD e de DH, apoiando-as na ampliação de sua rede de apoio e, ao mesmo tempo, fortalecendo a dimensão estratégica das OSCs na sociedade.É necessário apoio a pesquisas sobre o ato de doar no Brasil, suas motivações, canais e significados.Relevante ainda é seguir investindo em alianças dentro do setor do ISP em torno da “cultura de doação”, visando fortalecer estratégias de fortalecimento da infraestrutura do setor e da autonomia das OSCs.

Desenvolver aproximação e diálogo com os novos filantropos (PF).

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O fosso entre Sociedade e elite políticacanstockphoto14501083

Nunca a distância entre a elite política e as propostas e práticas das organizações sociais foi tão grande. É um verdadeiro fosso… Parecem duas realidades que não se tocam, se desconhecem, se ignoram até.

Neste fosso, avançam visões conservadoras e retrógradas, forçando a opinião pública para a direita, para “soluções” autoritárias e até truculentas. Neste meio se fortalecem as forças políticas conservadoras.

No final dos anos 1980 vivemos um processo bem diverso deste atual. Há quase três décadas, viveu-se o ápice de um processo de escuta, diálogo e acordos produtivos entre o sistema político e a sociedade civil. Foi no bojo do processo constituinte entre 1986 e 1988, o qual culminou com a promulgação da Constituição atual. Naqueles anos deu-se intensa mobilização social e debate público em torno dos temas chave da construção do novo ciclo da história do país. Todos os atores sociais mobilizaram-se em torno de suas pautas e de agendas coletivas, fazendo o país conhecer suas visões e suas propostas para a constituição então em processo de elaboração.

Este esforço concentrado contribuiu para produzir um pacto social que foi orientador e sustentáculo da nova Constituição, especialmente via ampliação de direitos políticos, econômicos e sociais. Por algum tempo, parecia até que o modelo de desenvolvimento poderia ser alterado. Só por um tempo…

Este pacto que fez o país avançar em inúmeros aspectos, e que nos trouxe até aqui, está ruindo diante de nossos olhos. A atual configuração das forças econômicas, sociais e políticas no Brasil não tem como resultante majoritária um vetor progressista como aquele do final dos anos 1980. Pelo contrário.

A elite política decide hoje como se não houvesse sociedade. O governo já nem sabe para quê governa… Os partidos seguem os (piores) rituais de poder, nada mais. O PT, outrora lócus de reflexão estratégica e inovação, perdeu o elã e a vitalidade, tropeçando nos próprios erros e se enfraquecendo a cada dia. A grande mídia faz uso de todo seu complexo de filtros para amplificar o que há de ruim e minimizar o que há de bom, expondo aqui e compondo acolá, levando boa parte da população a crer que a saída é retroceder, ceder, desistir…

Uma síntese do noticiário destes dias poderia ser: “O maior problema do mundo é a corrupção; toda ela é culpa do PT; não há como promover desenvolvimento sustentável com dignidade humana e democracia; a sociedade não é capaz de buscar a superação de seus problemas”.

Enquanto isso, o que aconteceu com a sociedade civil nestes últimos anos? Enquanto nos anos 1990 as organizações e redes da sociedade civil (OSCs) se fortaleciam e marcavam sua presença e influência na sociedade, os anos 2000 trouxeram grandes dificuldades e desafios.

As OSCs sofreram com as mudanças da cooperação internacional, muito importante como fator de sustentabilidade do tecido social catalisador de transformações, no período anterior. O setor público ampliou seu investimento nas OSCs via editais públicos, mas a um custo alto de exigências legais e administrativas e com sério risco de criminalização, tudo via o mecanismo de controle chamada Siconv. As organizações sociais passaram a depender mais e mais de recursos públicos, os quais, uma vez acessados, tendem a exigir um ímpeto de perseguição de metas que limita em muito a autoria, a autonomia e a capacidade de inovação. O setor corporativo seguiu investindo na área social, mas cada vez mais em projetos de curto prazo e via contratação de serviços.

Resumo da ópera: no período atual, ficou bem mais difícil conferir sustentabilidade política e financeira e autonomia às OSCS. Elas que foram vetores importantes dos avanços democratizantes dos anos 1980 e 90, perderam muito desta condição.

E agora?????

Uma estratégia importante no atual contexto é apostar na capacidade de comunicação das organizações para incidência no espaço público. A sua sustentabilidade está tanto na capacidade de mobilização de recursos quanto na capacidade de interpelação e mobilização da sociedade.

Aprofundar, ampliar e qualificar a dimensão comunicativa dos projetos e ações sociais é o caminho. Identificar conteúdos, mecanismos e oportunidades neles para informar, escutar, dialogar, desafiar/provocar reflexão, propor, convidar, compreender, demonstrar – o problema social, as estratégias de enfrentamento, o que a sociedade tem a ver com isso, para quê se faz o trabalho, formas de ajudar…

É hora de escutar e dialogar com a sociedade. Não importa tanto a forma. Invente as suas…

O momento é de reconstruir pontes de sentido com a sociedade; de reestabelecer laços e forjar novas possibilidades de futuro.

Do muito pequeno ao muito grande.

Para superar fossos, há que estar dispostos a descer a ribanceira, antes de tentar subir do outro lado.

Boa jornada!

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