Muitas vezes, e crescentemente, os projetos das ONGs, e das OSCs em geral, são apoiados na ótica da prestação de um serviço.
Nem sempre os projetos apoiados o são como iniciativas das próprias organizações, sendo muitas vezes de iniciativa de seus apoiadores/financiadores. Mesmo quando estes apoiam organizações como aliados e parceiros estratégicos, o fazem no sentido da contratação de sua capacidade de prestar serviços, e não necessariamente pela condição de exercerem papel destacado de atores e autores de mobilização e liderança social.
Pode-se argumentar que tudo depende do que se entende por “prestação de serviços”, já que até mesmo a capacidade de uma organização para mobilizar uma comunidade em torno de um problema social pode ser contratada como um serviço.
Penso que se pode identificar pelo menos três situações na relação entre o projeto institucional de uma ONG e a prestação de serviços, com suas respectivas implicações para a sua autonomia e a identidade:
- A organização formata algo que já faz como um serviço em relação ao qual existe demanda e o oferece para contratação como estratégia de mobilização de recursos.
Esta é uma situação virtuosa. Um exemplo seria uma ONG voltada à formação e capacitação de lideranças sociais que decide estruturar um curso de formação como um serviço que pode ser contratado e realizado em territórios e situações que não só os seus habituais. O desafio
aqui é mais de natureza técnica e também gerencial. No entanto, se o serviço se amplia muito e se torna a principal atividade da organização, isto pode ter implicações para a identidade institucional.
- A organização, em diálogo com e em resposta a estímulo de algum de seus parceiros/apoiadores, desenha um serviço relevante para ser contratado pelo financiador.
Esta também é, em princípio, uma opção interessante, já que a proposição do serviço se dá como resultante de um processo dialogado. Um exemplo seria o de uma organização de Direitos Humanos brasileira convidada a organizar e oferecer um programa na área de DH em outro continente. A depender da escala de operações e do volume de pessoas/recursos envolvidos na prestação deste serviço, entretanto, pode-ser verificar uma mudança no papel (e quiçá na identidade) da organização – de uma ONG brasileira com atuação nacional em DH para uma organização (nacional) com atuação internacional.
- Organizações apoiadoras e financiadoras, nacionais e internacionais, públicas ou privadas, desenham suas prioridades e/ou programas, e então buscam identificar organizações com capacidade instalada ou com potencial de vir a tê-la para contratação de determinado serviço necessário para a implementação da estratégia da organização financiadora.
Esta é uma situação mais complexa e mesmo ambígua. Seria o caso de uma fundação corporativa que desenha um programa de desenvolvimento comunitário e contrata uma ONG para operá-lo. Ou o caso de um ministério que busca, via edital público, a contratação de organizações para executar um programa de formação de empreendedores rurais no Nordeste. Há duas possibilidades aqui: quando o convite/edital se dirige a organizações já especializadas na prestação de serviços na área, isso não traz maiores implicações para sua condição institucional. Já, quando a proposição alcança organizações tipo ONG, que se constituíram como atores no campo social, a prestação de um serviço a uma iniciativa alheia, que não é parte de seu plano de ação, pode trazer riscos no médio prazo. Outra variável importante no caso dos editais públicos é a correlação entre a política pública que deu origem e orienta o edital e a agenda do movimento social/ONGs. Quanto mais positiva esta correlação, tanto mais virtuosa a relação.
Sua organização vive/viveu algum destes tipos de situação? Ou outra?
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