Arquivo do mês: maio 2013

As ONGs e a prestação de serviços

DSC07004Muitas vezes, e crescentemente, os projetos das ONGs, e das OSCs em geral, são apoiados na ótica da prestação de um serviço.

Nem sempre os projetos apoiados o são como iniciativas das próprias organizações, sendo muitas vezes de iniciativa de seus apoiadores/financiadores. Mesmo quando estes apoiam organizações como aliados e parceiros estratégicos, o fazem no sentido da contratação de sua capacidade de prestar serviços, e não necessariamente pela condição de exercerem papel destacado de atores e autores de mobilização e liderança social.

Pode-se argumentar que tudo depende do que se entende por “prestação de serviços”, já que até mesmo a capacidade de uma organização para mobilizar uma comunidade em torno de um problema social pode ser contratada como um serviço.

Penso que se pode identificar pelo menos três situações na relação entre o projeto institucional de uma ONG e a prestação de serviços, com suas respectivas implicações para a sua autonomia e a identidade:

  • A organização formata algo que já faz como um serviço em relação ao qual existe demanda e o oferece para contratação como estratégia de mobilização de recursos.

Esta é uma situação virtuosa. Um exemplo seria uma ONG voltada à formação e capacitação de lideranças sociais que decide estruturar um curso de formação como um serviço que pode ser contratado e realizado em territórios e situações que não só os seus habituais. O desafio

aqui é mais de natureza técnica e também gerencial. No entanto, se o serviço se amplia muito e se torna a principal atividade da organização, isto pode ter implicações para a identidade institucional.

  • A organização, em diálogo com e em resposta a estímulo de algum de seus parceiros/apoiadores, desenha um serviço relevante para ser contratado pelo financiador.

Esta também é, em princípio, uma opção interessante, já que a proposição do serviço se dá como resultante de um processo dialogado. Um exemplo seria o de uma organização de Direitos Humanos brasileira convidada a organizar e oferecer um programa na área de DH em outro continente. A depender da escala de operações e do volume de pessoas/recursos envolvidos na prestação deste serviço, entretanto, pode-ser verificar uma mudança no papel (e quiçá na identidade) da organização – de uma ONG brasileira com atuação nacional em DH para uma organização (nacional) com atuação internacional.

  • Organizações apoiadoras e financiadoras, nacionais e internacionais, públicas ou privadas, desenham suas prioridades e/ou programas, e então buscam identificar organizações com capacidade instalada ou com potencial de vir a tê-la para contratação de determinado serviço necessário para a implementação da estratégia da organização financiadora.

Esta é uma situação mais complexa e mesmo ambígua. Seria o caso de uma fundação corporativa que desenha um programa de desenvolvimento comunitário e contrata uma ONG para operá-lo. Ou o caso de um ministério que busca, via edital público, a contratação de organizações para executar um programa de formação de empreendedores rurais no Nordeste. Há duas possibilidades aqui: quando o convite/edital se dirige a organizações já especializadas na prestação de serviços na área, isso não traz maiores implicações para sua condição institucional. Já, quando a proposição alcança organizações tipo ONG, que se constituíram como atores no campo social, a prestação de um serviço a uma iniciativa alheia, que não é parte de seu plano de ação, pode trazer riscos no médio prazo. Outra variável importante no caso dos editais públicos é a correlação entre a política pública que deu origem e orienta o edital e a agenda do movimento social/ONGs. Quanto mais positiva esta correlação, tanto mais virtuosa a relação.

Sua organização vive/viveu algum destes tipos de situação? Ou outra?

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Cenários do fluxo de recursos para as OSCs

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Referi no último post à pesquisa da FGV sobre a arquitetura institucional do apoio às OSCs no Brasil.

Destaco agora alguns dados da pesquisa e/ou dados divulgados no seminário respectivo, para realçar algumas tendências acerca do fluxo de recursos para as OSCs:

  • São 137 mil as OSCs de defesa de direitos no Brasil.

A pesquisa reconhece a dificuldade de delimitar objetivamente o que sejam “OSCs de defesa de direitos” dentro do universo das OSCs. A pesquisa FASFIL (IBGE, 2012) usa a categoria de organizações “de desenvolvimento e defesa de direitos” – cerca de 42 mil (14,6% do total de 290 mil). A pesquisa também destaca que há organizações de defesa de direitos “puras” (p.ex. Defesa de Direitos de Grupos de Minorias) e “híbridas” (p.ex. associações de moradores).

Mas, se entendermos as “OSCs de defesa de direitos” como aquelas organizações que defendem direitos e interesses na sociedade, então chegaríamos a um total de 87 mil entidades (FASFIL IBGE, 2012).

Se circunscrevermos as “OSCs de defesa de direitos” somente àquelas organizações assim definidas pela FASFIL (IBGE, 2012), isto é, as “associações que são criadas para atuar em causas de caráter social, tais como a defesa de direitos humanos, defesa do meio ambiente, defesa das minorias étnicas, etc.”, então as OSCs de defesa de direitos seriam 42 mil entidades.

Por outro lado, penso que seria válido considerar as organizações de defesa de interesses (associações patronais e profissionais), também as entidades de assistência social (pois cumprem papéis relevantes na efetivação de direitos e muitas participam de conselhos e conferências) e as entidades sindicais (na prática, atuam como atores autônomos de defesa de direitos) como “OSCs de defesa de direitos”. Nesta linha, as “OSCs de defesa de direitos” seriam 137 mil.

A opção escolhida, uma destas ou outra, deverá responder à questão: para quê se está buscando definir o termo “OSCs de defesa de direitos”?

  • Cresce o apoio público às OSCs, mas ele se concentra nas organizações de educação, saúde e assistência social que participam da execução de políticas públicas.

Houve um aumento das transferências voluntárias do governo federal a entidades sem fins lucrativos de 2002 a 2010, mas sem acompanhar o crescimento do volume total do orçamento federal. Em 1999 as transferências foram de R$ 2,2 bilhões, enquanto em 2010 chegaram a R$ 4,1 bilhões. No entanto, as transferências estaduais e municipais às entidades cresceram mais do que as federais (IPEA, 2011), o que pode ter implicações para o perfil das organizações apoiadas (maior apoio a entidades de assistência em detrimento das de defesa de direitos). Ademais, as entidades de educação, saúde e assistência são aquelas privilegiadas do ponto de vista da tributação no Brasil (Eduardo Pannunzio, FGV). Considerando transferências obrigatórias e voluntárias federais, as transferências às OSCs chegaram ao máximo de 2,5% em 2005 e de 1,8% em 2010.

Pesquisa do IPEA (2012) revelou que entre 2003 e 2011 foram estabelecidos 20.095 convênios pelo governo federal com OSCs, com valor total de R$ 12 bilhões. A defesa de direitos, entendida como na pesquisa FASFIL do IBGE, representou apenas 4,8%.

  • Investimento social privado, majoritariamente corporativo, é relevante, mas hiper concentrado e limitado no apoio à defesa de direitos.

Segundo o IPEA (2006), as doações de empresas totalizam R$ 6 bilhões, sendo 57% para OSCs. Já o conjunto de associadas ao GIFE, investiu R$ 2 bilhões na área social em 2012. Pesquisa do Comunitas com Grupo BISC de empresas indica doação total de R$ 1,6 bilhões em 2010. O foco é, claramente, educação.

A maior parte dos recursos está concentrada na região Sudeste. Indicada tendência de desenvolvimento de projetos próprios em detrimento do apoio à autoria e autonomia das OSCs. Cresce, neste contexto, o papel das OSCs como prestadoras de serviços. Pesquisa BISC aponta que, do valor de R$ 1,6 bilhão investido socialmente em 2010, apenas R$ 252 milhões foram repassados às OSCs (16%). A mesma pesquisa indica que somente 11% dos recursos investidos contribuem para a manutenção geral das organizações (85% são destinados a projetos).

  • Piora o cenário da cooperação internacional com o Brasil.

A pesquisa indica que a ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) total dos países da OCDE cresceu, mas não na mesma proporção do crescimento do PIB destes países. Tendência de redução da cooperação bilateral e crescimento da cooperação multilateral e privada, com ONGs do hemisfério Norte ganhando papel mais relevante em Estados frágeis e economias emergentes, o que limita cooperação com ONGs brasileiras (Kees Biekart, ISS, Holanda). A FGV indica estabilização dos recursos para o Brasil, com tendência de queda. Novas oportunidades e desafios no ativismo internacional das ONGs brasileiras.

  • Brasil, hoje, doa mais internacionalmente do que recebe.

Entre 2005 e 2009, o Brasil recebeu 1,48 bilhões de dólares e doou 1,88 bilhões de dólares, evidenciando-se um saldo de 400 milhões de dólares de doação (IPEA, 2010).

No mesmo período, verificou-se um aumento da cooperação internacional do Brasil em 50%.

  • Avança a doação de indivíduos no Brasil.

Há carência de dados sobre doações individuais no Brasil, segundo a FGV. Em 2000, pesquisa domiciliar apontou que 50% das pessoas adultas faziam doações em dinheiro (21%) ou bens (29%), com valor médio das doações anuais de R$ 396,00. Pesquisa do IDIS em quatro cidades paulistas, em 2007, indicou valor médio anual de doações de R$ 388,00. Pesquisa da ChildFundBrasil pela empresa RGarber, com base em dados do IBGE (POF 2010), concluiu que há no Brasil 17 milhões de doadores (9% da população), com um total de R$ 5,2 bilhões/ano. A maior parte das doações é destinada a entidades religiosas.

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