Arquivo do mês: setembro 2012

O futuro das ONGs

Vivemos uma mudança de ciclo histórico na trajetória das Ongs no Brasil.

Na tentativa de identificar as novidades de contexto e as novas oportunidades e desafios para as Ongs no Brasil, indico esquematicamente abaixo algumas possíveis diferenças e deslocamentos de sentido ocorridos entre o período dos anos 80-90 e o período atual.

CICLO INICIAL E CONSOLIDAÇÃO: anos 80-90

Desde que surgiram com força no cenário brasileiro nos anos 80, as Ongs vinham navegando em um cenário organizado em torno das seguintes características:

  • Conjuntura histórica de ampliação da militância social e política;
  • Emergência de uma geração de lideranças sociais oriundas de um caldo de cultura marcado pela Educação Popular, pela Teologia da Libertação e pelas lutas populares, orientadas por uma perspectiva de mudança social;
  • Disponibilidade de recursos da cooperação internacional para o Brasil e a América Latina;
  • Acesso a apoios institucionais (e não apenas a projetos e programas);
  • Ampliação crescente do acesso a recursos públicos (a partir de FHC);
  • Possibilidade de desenhar e implementar um projeto político-institucional desejado, graças a um significativo grau de autonomia institucional;
  • Relação com políticas públicas centrada na elaboração e no controle social, a partir de visão subjacente do Estado como provedor universal e praticamente único executor das políticas;
  • Visão do papel das Ongs ancorada na sua capacidade de provocar, organizar e promover mudanças sociais;
  • Percepção pública sobre Ongs fundamentalmente positiva, vinculando-as ao “fazer o bem”;
  • Pouca atenção para a comunicação extramuros (pública) e para além do próprio campo político;
  • Ongs e movimentos sociais eram os principais atores na sociedade civil, os quais cresciam em articulação e projeção nacional e internacional;
  • Foco da ação e da articulação política nas relações com o próprio campo político, com limitada visão e capacidade sobre intersetorialidade;
  • Mecanismos de governança frágeis, bem como de transparência e de accountability;
  • CLT como regime geral de contratação de pessoas;
  • Ongs como ótimos lugares para se trabalhar.

CICLO ATUAL: anos 2010-30

Se tomarmos o período atual e o que parecem ser indicações dos anos vindouros, podemos sugerir como mudanças importantes:

  • Conjuntura histórica de redução da militância social e política “convencional” (em torno de partidos, sindicatos e movimentos sociais tradicionais e Ongs), e crescimento e diversificação de novos tipos de ação/militância social (informal e não institucionalizada, a partir de redes sociais, ações colaborativas diretas e pontuais, organizações de jovens…);
  • Processo de envelhecimento e “fadiga militante” da geração de lideranças sociais dos anos 80;
  • Redução forte do acesso à cooperação internacional no Brasil;
  • Apoio a projetos e não mais a instituições, com raríssimas exceções;
  • Forte ampliação e diversificação do acesso a recursos públicos, com abertura à discussão sobre a necessidade de um novo marco regulatório;
  • Inviabilidade crescente da implementação de projeto institucional próprio, já que agora o desafio é o de “fazer a diferença” nas circunstâncias propiciadas pela gestão e execução de diversos projetos;
  • Aceitação da possibilidade de Ongs participarem da execução de políticas e programas públicos, como parte da nova visão da relação Estado – Sociedade;
  • Cresce a prestação de serviços pelas Ongs como estratégia política e financeira;
  • Visão do papel das Ongs agora menos como “demiurgos” da mudança social e mais como catalisadoras e facilitadoras de processos, a partir da perspectiva dos direitos e do aprofundamento da democracia;
  • Ongs perdem aura positiva, sendo muitas vezes associadas a mecanismos de desvio de recursos e de corrupção, com novo desafio de organizações sérias terem de se diferenciar disso;
  • Desafios da credibilidade e da mobilização de recursos tornam imperativo o desenvolvimento de estratégia ampla de comunicação com a sociedade, site institucional incluído;
  • A ampliação e a diversificação dos atores na sociedade civil colocam novos desafios à identidade e à capacidade de estabelecer alianças, parcerias e ações intersetoriais;
  • Exigência por mecanismos de governança que favoreçam a credibilidade, a transparência e a accountability;
  • Formas diversificadas de contratação de pessoas, com tendência à maior flexibilidade e menor custo fixo;
  • Ongs apenas como um lugar possível de se trabalhar, em um contexto de aquecimento do mercado de trabalho e de expansão do ensino universitário.

Convido a todo/as a reagir, comentar, divergir e ampliar a reflexão…

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