Arquivo do mês: abril 2013

OSCs e defesa de direitos: do que se está falando mesmo?

DSC01129O que são OSCs? Quem é e quem não é OSC?

É possível distinguir OSCs que defendem direitos de outras que não o fazem? Como?

Como as OSCs se sustentam financeiramente? Quem as apóia? Quais são os canais por onde fluem os recursos? Qual é a arquitetura institucional do setor social no Brasil?

Estas e outras perguntas foram debatidas há poucos dias num seminário da FGV-SP do qual participei como convidado. O evento se destinava à apresentação da pesquisa sobre “a arquitetura institucional de apoio às organizações da sociedade civil no Brasil”, proposta pela Articulação D3 – Diálogo, Direitos e Democracia.

Um debate importante deu-se em relação à dificuldade de estabelecer o que seja uma OSC e, especialmente, definir quem é “OSC de defesa de direitos” e quem não é.

Sindicatos, cooperativas, organizações comunitárias, Ongs, movimentos sociais, institutos e fundações empresariais, por exemplo, são definitivamente OSCs. Mas e os partidos políticos? E as igrejas? Ambos são, conceitualmente falando, organizações da sociedade civil, mas nem por isso são classificadas como “OSCs” por todas as pesquisas e participantes do debate.

As coisas se complicam ainda mais quando se tenta identificar as organizações da sociedade civil de defesa de direitos (OSCs-DD). A motivação seria distinguir e valorizar o campo das OSCs vinculadas à promoção e defesa de direitos em contraste com organizações sociais de inspiração mais assistencialista, de ajuda mútua, ou apenas de atendimento. O problema é que tal coisa é praticamente impossível do ponto de vista operacional – como distinguir uma organização que defende direitos de uma que não defende? – e talvez desnecessária do ponto de vista ético-político (para quê tentar esta distinção se ela é tão difícil?). Cabe sim aprofundar a reflexão sobre o que significa participar, como organização da sociedade civil, do processo de promoção, defesa e efetivação de direitos e as diferentes formas de fazê-lo.

A complexidade deste debate reside sobretudo na existência de diferentes perspectivas para tentar delimitar o que são OSCs. De uma perspectiva mais teórico-conceitual, se pode enfocar o que é a sociedade civil e seus contornos e fronteiras (Michael Edwards, Civil Society. Polity Press, 2009). Nesta ótica, igrejas, sindicatos, e mesmo a mídia alternativa são considerados OSCs.

Já de uma perspectiva  mais metodológico-operacional, preocupada em delimitar mais especificamente as organizações voluntárias de defesa de interesses amplos, públicos, seriam excluídos sindicatos, organizações sociais ligadas a igrejas, associações profissionais, partidos políticos, etc.

Por fim, na perspectiva político-discursiva construída socialmente pelos atores da sociedade, busca-se identificar as OSCs de defesa de direitos stricto sensu, isto é, aquelas em cuja ação predominam estratégias de incidência política, controle social via mobilização e participação em conselhos, de capacitação e de produção de conhecimentos.

A principal pesquisa sobre organizações sem fins de lucro no Brasil hoje é aquela realizada pelo IBGE – a pesquisa sobre as FASFIL – Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos (2002, 2005, 2012), a qual utiliza a classificação das Nações Unidas.

Pode-se tentar circunscrever uma parte das OSCs-DD às organizações classificadas pelo IBGE como de “Desenvolvimento e Defesa de Direitos” (associações de moradores, centros e associações comunitárias, desenvolvimento rural, emprego e treinamento, defesa de direitos de grupos e minorias e outras formas de desenvolvimento de defesa de direitos). Elas compreendem 42.463 organizações ou 14,6% do total das FASFIL (IBGE, 2012 com base em dados de 2010). Mas estão fora desta categoria entidades de assistência social (30.144) e Associações Profissionais (17.450), ambas passíveis de serem contabilizadas como OSCs. Já os sindicatos não são considerados como FASFIL no Brasil, mas, a rigor, também são OSCs.

Enfim, continuamos sem saber bem o que são, quem são e quantas são as OSCs no Brasil. E deveremos continuar a pesquisar e debater o tema.

Acesse aqui os resultados da pesquisa.

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Existe uma gestão social?

SV300273No final do mês de março, fui contatado pelo aluno Iago Itã Almeida Pereira  do curso  de Graduação Tecnológica em Gestão Pública e Gestão Social da Universidade Federal da Bahia (UFBA) para uma entrevista sobre o tema da gestão social. Foi uma oportunidade para refletir sobre uma questão importante: afinal, existe algo que se possa chamar de “gestão social”, como algo intrinsecamente diferente de outros tipos de gestão?
Compatilho agora com vocês o resultado desta entrevista.
Bom proveito a todos.

——–

Pois bem, professor Armani. Para nós começarmos a nossa entrevista, gostaria que o senhor me contasse um pouco da sua trajetória acadêmica e profissional, dizendo quando foi que começa a se aproximar do campo da “gestão social”.

Aproximei-me do campo social no final dos anos 70 por meio do movimento estudantil e das pastorais da Igreja Católica e, nos anos 80, participando da fundação de uma Ong.

Naquele período, a gestão das organizações não era uma preocupação; era mais algo encarado como “burocracia”; toda a energia e atenção estavam nas atividades-fim.

Na minha trajetória, o processo de gestão emergiu como questão quando fui eleito Secretário Geral desta Ong (entre 1986-1989) e tive de me ocupar dos seus processos internos.

Isso foi um grande aprendizado. Especialmente porque pude conduzir um processo participativo interno relativo à definição de políticas e estratégias institucionais; as quais, até então, não eram construídas coletivamente.

Naqueles quatro anos, aprendi muito do que sei sobre desenvolvimento institucional.

Aí está uma característica da gestão social: numa organização social, a gestão é um processo coletivo de construção de corresponsabilidade.

O senhor considera que esse campo que chamamos de “gestão social” é um processo inovador, ou se trata de algo não recente que ganha novos contornos?

A noção de gestão social, a meu ver, é algo novo e em construção, sem um significa definido e consolidado.

A relação entre gestão social e inovação não é automática; há visões de gestão para o campo social dominadas por concepções antiquadas e convencionais de gestão.

O discurso de que a profissionalização da gestão de OSCs equivale a adotar concepções e ferramentas oriundas do campo empresarial representa um problema, porque pensa que se pode transferir metodologias e técnicas sem ferir os valores constitutivos do campo social.

A vantagem de se ter um novo conceito – gestão social – é justamente colocar o foco nas questões precípuas deste campo, valorando suas singularidades e sua racionalidade própria, distintas da gestão pública e da gestão privada, bem como refletir sobre seus problemas e seus desafios.

Como o senhor vê o cenário atual brasileiro no campo da gestão social? Quais mudanças, problemas e avanços que o senhor enxerga nesta conjuntura de mudança socioeconômica que o Brasil vem passando?

Esta pergunta é muito ampla, não dá para responder aqui.

Destacaria três desafios importantes da gestão social:

– o cenário está cada vez mais dominado pelo domínio das respostas empresariais, o que não é bom. A singularidade de ser um ator social, uma organização de cidadania ativa, catalisadora de processos de mudança social, corre o risco de se perder em função disto.

– o padrão de financiamento/parceria predominante, seja com o poder público (convênios), com o setor privado ou mesmo com algumas organizações internacionais, tem levado as OSCs, muitas vezes, a se tornarem prestadoras de serviço e não atores com propostas autônomas na sociedade civil.

– As OSCs enfrentam um desafio enorme em termos de sustentabilidade política e financeira, em função das mudanças na percepção pública sobre seu valor e papel (vide forma da mídia cobrir e destacar casos de corrupção, etc.), falta de um marco regulatório adequado ao setor e histórico/cultura de muitas organizações de atuarem sem maior contato, comunicação e articulação com a população.

Sendo mais específico agora, como o senhor vê o campo da gestão social enquanto campo profissional? Acha que ele demanda profissionais especializados? O campo enxerga esta necessidade?

A gestão social engatinha no Brasil em termos de ser um campo profissional específico. Temos hoje uma situação na qual as práticas de gestão têm poucos espaços de reflexão e aprofundamento teórico e prático, há cada vez mais cursos acadêmicos na área, mas muitos parecem encarar a gestão das organizações sociais somente como uma área na qual se tem de aplicar as técnicas de gestão da Administração de Empresas. Convenhamos que é muito pouco.

Uma agravante é que é muito comum que boa parte dos alunos destes cursos seja de neófitos, de pessoas querendo entrar no campo, mas com pouco ou nenhuma experiência real.

A gestão social tem um longo caminho a andar…

Ela deveria se articular mais e melhor com as práticas correntes no campo, com as organizações com melhores práticas e, especialmente, buscar inovar nas respostas.

Fazer as perguntas certas neste campo neste momento talvez seja mais importante do que dar respostas.

Com a sua experiência no campo da gestão social, o que o senhor pensa sobre processos de formação, sobretudo em nível de graduação, em gestão social? O que um curso desse não pode deixar de levar em conta na construção curricular?  Quais são as possibilidades e desafios que o graduado poderá encontrar no que diz respeito ao futuro profissional após concluir o seu curso de gestão social?

Temas:

– história do setor social, no Brasil e no mundo.

– a singularidade do setor social (em que é diferente do setor público e do setor privado).

– diferentes visões sobre o setor e seu papel (terceiro setor, Ongs, OSCs, etc…).

– tipos de visões sobre gestão social (por exemplo, eu trabalho com os conceitos de desenvolvimento institucional, sustentabilidade institucional e mobilização de recursos (nenhum deles oriundo do mundo empresarial ou público).

– visões e conceitos do que é uma organização, uma organização social.

– cases ilustrativos da problemática de gestão social.

– debates com organizações sociais sobre o tema.

O desafio é encontrar no setor a valorização deste tipo de profissional e a oportunidade para fazer um bom trabalho. Há resistências no setor quanto a isto e os salários nem sempre são interessantes. Esta é uma área não muito valorizada ainda nas organizações, especialmente as médias e pequenas.

Mas há muitas oportunidades para quem quer começar, mesmo em organizações menores e com remuneração limitada, mas que são terreno fértil para entrar, se desafiar, conhece e aprender no processo real.

Se o profissional sair do curso achando que ali aprendeu e que nas organizações ela vai aplicar, viverá insucesso. Ele tem que ir para aprender, para pôr em diálogo seu saber técnico e o saber das organizações.

Eu gostaria muito de ter uma conceituação sua sobre o gestor social. Como senhor define esse profissional e o que o diferencia de outros? (como o administrador e o gestor público)

Pergunta difícil… Eu não uso muito este termo gestor social.

Arriscaria algo assim: o gestor social é o profissional com formação diversificada capaz de orientar processos estratégicos nas organizações, seja na dimensão administrativa, financeira ou político-institucional.

Formação diversificada  porque é uma enorme vantagem para enfrentar a complexidade da gestão do setor combinar a formação de duas ou três áreas do conhecimento.

Orientar processos estratégicos significa, por exemplo, ser capaz de conduzir ou contribuir com a organização de um processo de planejamento estratégico, de um sistema contábil financeiro adequado, de inovar na gestão de pessoas nas organizações sociais, de inventar um processo de avaliação de desempenho com a cara do setor, de contribuir com o processo de  mobilização de recursos, etc.

O que diferencia este profissional de outros:

– ele se identifica com os valores e a racionalidade e singularidade do setor social – não é centrado na política, como o setor público, e não visa lucro como o setor privado.

– ele tem uma formação diversificada que combina áreas “duras”, como contabilidade, finanças, direito, administração, etc., com áreas sociais, como educação, filosofia, antropologia, psicologia, sociologia, serviço social, etc.

– seu modo de trabalhar é o da construção coletiva de soluções, de deliberação democrática sobre opções institucionais.

– ele sabe que nas organizações sociais, a “técnica” não reina soberana, ela é mediada, dialoga e é pensada em associação com a dimensão social e política.

Um gestor de ONG é um gestor social?

Sim, mesmo que ele não conheça ou use este termo.

Para finalizar, o que o senhor diria para uma pessoa que deseja atuar no campo da gestão social? O que essa pessoa deve ter em mente para obter sucesso em sua profissão?

Ser gestor social não é uma área que dê dinheiro, pelo menos não no início da carreira. A pessoa tem de ter visão e sensibilidade social.

O setor social exige abnegação e grande dedicação – se trabalha muito, e assume enormes responsabilidades, mas não se paga horas extras.

O ideal é que a pessoa que quer ser gestor social alie forte compromisso social e visão política da sociedade, com qualificada e diversificada formação técnica.

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